Jorge Bodanzky retrata as diferentes amazônias dentro de uma região

 Cineasta premiado esteve em Belém na última semana é reconhecido pela linguagem audiovisual






Ao retratar uma Amazônia que sofria na década de 1970 com a expansão desenfreada estimulada pela ditadura militar, o cineasta Jorge Bodanzky utilizou elementos ficcionais com a criação de personagens interpretados por atores filmados com não-atores em uma realidade dura que mostrava a pobreza na Amazônia, a violência e a prostituição infantil de meninas. O enredo de “Iracema – Uma Transa Amazônica” mostrava como a rodovia que tentava “integrar para não entregar” não trazia o tão sonhado desenvolvimento para a região. Após quase 50 anos, a história de Iracema continua atual, e para Bodanzky, os problemas pioraram.

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“Posso afirmar tudo o que o filme ‘Iracema – Uma Transa Amazônica’ mostra a exploração de menores, trabalho escravo, ocupação da terra, projetos, queimadas, desmatamento, fazenda de gados... Tudo, tudo, tudo que está no filme, todos os problemas, nenhum foi resolvido. Todos aumentaram. Isso que mudou”, lamenta. O filme produzido quase que na clandestinidade não foi reconhecido como brasileiro pelos militares, foi impedido de ser exibido no Brasil até o final do período militar e também de concorrer a premiações nacionais. A mensagem da película que foi um dos primeiras a abordar o sofrimento dos amazônicos e a destruição do meio ambiente foi tão forte que somente nos anos 80 que “Iracema” pode ser exibido no Brasil.

Para ele, o surgimento do streaming propicia que mais brasileiros conheçam esse Brasil retratado pelo cinema nacional, um país que continua distante de se conhecer. O streaming permite superar em parte as dificuldades de levar as obras ao grande público. “Sempre foi difícil colocar um filme no cinema, muito caro, muito complicado, e muito concorrido também, porque o dono do cinema precisa de lucro. Então, ele sempre vai escolher o blockbuster, em detrimento aos outros filmes, e no streaming não, você tem os dois”, relata.

Para Bodanzky, que visitou Belém na última semana para participar do III Festival de Filme Etnográfico do Pará, a diferença positiva na comparação histórica é que ao longo das últimas décadas a sociedade civil, também graças a redemocratização, se organizou mais e luta por seus direitos. “Não tinha na época em que eu rodei o filme, em 1974, é a organização da sociedade civil. Hoje você vai em qualquer comunidade, seja indígena, ribeirinha, quilombola, em qualquer lugar, eles são organizados. Eles têm representatividade, sabem o que querem, só não podem agir, porque o governo sufoca essa mensagem deles”, detalha.

A intérprete da menina Iracema foi uma jovem com 15 anos na época, a estudante Edna Cerejo, que nunca havia trabalhado como atriz. A paraense, atualmente com 62 anos, também lastima o presente amazônico. “Continua do mesmo jeito que era em 74. Hoje em dia vês as pessoas lutando pelo meio ambiente, lutando pela Amazônia, para preservar esse pulmão do mundo, e o que acontece é isso. ‘Iracema’ mostra tudo. É um filme que está prestes a fazer 50 anos, mas continua atualíssimo”, acredita. 

Parte da memória inédita de Iracema é revelada na recente exposição “Bodanzky: notas de um Brasil profundo” com várias fotografias e filmes mudos super-8 feitas pelo cineasta durante viagem pela Transamazônica antes de pensar em fazer o filme e depois durante sua produção. Um dos curadores da exposição Orlando Maneschy, que teve acesso ao acervo inédito protegido pelo Instituto Moreira Salles, ressalta o quanto o cineasta descortina um Brasil desconhecido.

“Ele é um dos maiores cineastas brasileiros. Ele tem um olhar crítico, muito sofisticado para as mazelas do Brasil, para esse povo - que parece redundância - mas é tão sofrido. Ele nos leva como observador a se criticar sobre o nosso próprio papel diante do mundo e ao mesmo tempo revela uma vida real”, aponta. “Eu acho que tem um olhar carinhoso para aquele sujeito. É uma fotografia que tem dignidade e respeito pelo outro. O trabalho dele tem uma forte empatia pelo país”, assegura Maneschy.

Bodanzky define a Amazônia como várias realidades. “A gente sempre fala Amazônia como sendo uma coisa só. Amazônia são inúmeras culturas. Amazônia dos índios, Amazônia dos ribeirinhos, dos quilombolas, Amazônia aqui das cidades. São Amazônias completamente diferentes. Eu tenho trabalhado em vários aspectos da Amazônia. Gosto muito, mas não foi assim ‘vou trabalhar na Amazônia’. Foi uma coisa que foi acontecendo”, revela.

A esperança do cineasta é que essas realidades duras um dia mudem. “Acredito que tudo na vida um dia começa e outro dia acaba. Espero que surja o momento em que as organizações da sociedade civil vão tomar conta disso aqui, e quem sabe resolver alguns problemas”.


Edição: Lucas Brito 

Fonte: O Liberal (Texto e Foto)

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