Mulheres diretoras começam a vencer barreiras no machista mundo do cinema



Ter mulheres no comando nunca foi um desafio fácil em nenhuma área da vida social, especialmente no mundo profissional. Porque nas artes seria diferente? A primeira mulher a dirigir um filme no mundo foi a francesa Alice Guy, mais tarde Alice Guy-Blaché (1873-1968), que também foi a primeira a roteirizar e produzir filmes, em 1896, aponta a Doutora em Ciência Política Luzia Miranda Álvares. Mesmo nos dias de hoje, ainda são 20 homens para cada mulher cineasta, calcula.
A paraense Jorane Castro é uma das raras mulheres que obteve reconhecimento na produção cinematográfica. Roteirista e diretora de cinema, ela formou-se em Cinema pela Universidade de Paris 8 (França) e estudou Roteiro na EICTV (Cuba), realiza filmes na Amazônia e leciona no curso de Bacharelado de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Dirigiu mais de 20 filmes, entre documentários e ficções, que têm se destacado no cenário internacional em festivais como a Quinzena dos Realizadores (Cannes, França, 2001), Director’s Forthnight MoMA (New York, EUA, 2007), Marrakech International Film Festival (Marrocos 2001), Festival de Cinema Brasileiro de Paris (França 2008), entre outros.
“A maioria da população brasileira é mulher, mas a gente não vê o desenho da nossa representatividade e da paridade na política e nos espaços públicos e privados”, destaca Jorane. Ela recorda que, na história mais recente, o papel da mulher no cinema se resumia a atrizes bonitas cujos papéis se voltavam aos homens (eles eram os protagonistas dos enredos), como se elas fossem “mero adereço”.
A resistência das profissionais femininas possibilitou a vitória da americana Kathryn Bigelow, que foi a primeira mulher a vencer o Oscar de Melhor Direção, em 2010, pelo filme “Guerra ao Terror”, que, inclusive superou o campeão de bilheterias “Avatar” na conquista da estatueta de Melhor Filme.
No Oscar deste ano,  Elizabeth Chai Vasarhelyi e Rayka Zehtabchi foram as únicas cineastas premiadas, com o Melhor Documentário (Free Solo) e Melhor Curta-Metragem (Absorvendo o Tabu), sendo que a primeira dividiu a direção com Jimmy Chin. Nenhuma mulher foi indicada a Melhor Direção, em 2019.
“O discurso das mulheres no Oscar (por equidade de espaço e remuneração e combate ao assédio), que é grande vitrine do cinema mundial, é muito importante e também está servindo de vitrine política. A gente tem avançado aos poucos”, diz Jorane.
Entre outras vitórias recentes da mulher na área do audiovisual estão a nomeação da cineasta Laís Bodansky para presidente do SPcine, órgão promotor do desenvolvimento audiovisual da prefeitura de São Paulo; e da cineasta Maria Navarro ao IMCine, o equivalente à Agência Nacional de Cinema (Ancine) do governo mexicano.
“É importante ter mulheres contando histórias de mulheres, é muito importante criar empatia com figuras de mulheres. Os espaços precisam ser ocupados. Tem mulheres se organizando em coletivos, editais para equipes majoritariamente compostas por mulheres”, defende a cineasta.
Luzia Miranda, que também é professora da UFPA e fundadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes (Gepem) da UFPA, pesquisa a presença de mulheres na direção de cinema. Ela constata que houve uma reavaliação da presença das mulheres em todas as categorias de trabalho na arte cinematográfica, nas quais elas estiveram ausentes a maior parte da história.
“As mulheres começaram a perceber que estavam sendo excluídas do processo de produção. Elas são vistas somente no âmbito da reprodução. Elas são excluídas apesar de serem criativas e criadoras”. Ela destaca que as mulheres ainda são muito poucas na produção audiovisual e que até na busca por recursos para fazer filmes, elas obtém sempre o valor mínimo.
Se as mulheres brancas tem pouco progresso, avalie as negras. Tem pouco progresso, mas está uma efervescência da luta das mulheres no cinema, que já criaram coletivo que promove e agrega cineastas e profissionais essas categorias justamente para mostrar que elas podem. É um processo não só de empoderamento, mas de reversão do histórico "apagamento" da presença feminina no cinema e nas artes visuais em geral.”
Documentário
A presença de mulheres roteiristas negras foi objeto do mini documentário “É Coisa de Preta”, da jornalista, atriz, roteirista e cineasta Joyce Cursino, em 2017. O curta traz o relato de mulheres negras de diferentes partes do Brasil sobre o protagonismo delas por atrás das câmeras em reação ao sistema patriarcal e racista, no qual a mulher negra é tratada como submissa. O filme ganhou o Festival Osga, de vídeos universitários, e participou da Mostra de Cinema Negro (ÉGBE), de Pernambuco, e Mostra Lugar de Mulher é no Cinema, da Bahia.
“Tem vários desafios da mulher no cinema. O principal é porque é um trabalho coletivo que exige um alinhamento e o domínio de determinadas áreas. Assim como em outros espaços, a mulher tem dificuldade de ser respeitada pelo que é e pelo que produz. Somos contestadas pela nossa intelectualidade, especialmente as mulheres negras, porque o saber é historicamente ferramenta de domínio masculino (...) E o cinema é uma ferramenta de reafirmação da memória, dos direitos e da cultura da mulher”.

Fonte: O Liberal/Cultura (Texto e Foto)

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